A jornalista Roberta Castro, mãe do Filippo, 6 anos, de São Paulo, não tinha o mínimo conhecimento sobre crianças com altas habilidades/superdotação (AHSD) em 2021, quando o filho foi diagnosticado. Hoje, dois anos depois, ela é a fundadora do Grupo de Apoio Crescer Feliz (@grupocrescerfeliz), que conta com a participação de 600 famílias do Brasil e do exterior (brasileiros expatriados).
É no grupo que essas famílias encontram informações, apoio e orientação necessária para ajudar seus filhos. "O objetivo é desmistificar que essa atipicidade é 'bônus', como muitos pensam — a tal 'galinha dos ovos de ouro' —, quando, na verdade, é um enorme desafio do ponto de vista social e emocional. Enfrentamos crises emocionais, dificuldades de adaptação escolar e social, entre outros problemas", afirma.
Em entrevista à CRESCER, ela contou como o grupo atua, falou sobre os principais desafios das famílias e o que as crianças enfrentam no dia a dia. "Infelizmente, cotinuo recebendo relatos diários de muitas famílias de crianças que fingem doença para não ir para a escola por serem humilhadas e excluídas por colegas e até professores. Dói demais e precisamos mudar essa realidade", disse.
CRESCER: Quando e como surgiu o grupo Crescer Feliz?
Roberta Castro: O grupo Crescer Feliz nasceu de uma necessidade de ajudar famílias de crianças com altas habilidades/superdotação (AHSD) ou suspeitas. Foi em 2021, após uma entrevista para a CRESCER sobre a história do Filippo, meu filho, que possui superdotação. Na época, contei sobre a batalha que enfrento diariamente com ele, com o objetivo de desmistificar que essa atipicidade é “bônus” como muitos pensam — a tal “galinha dos ovos de ouro” —, quando, na verdade, é um enorme desafio do ponto de vista social e emocional. Enfrentamos crises emocionais, dificuldades de adaptação escolar e social, entre outros problemas. A partir desse relato, muitas pessoas (mais de quinze) me procuraram imediatamente nas redes sociais contando histórias semelhantes e pedindo ajuda. Eu tinha acabado de laudar meu filho e sabia tão pouco quanto elas, mas estávamos com uma equipe de neuropsicólogos passando por testes, nos dando apoio com informações, documentação e encaminhamento para a escola. Nessa hora, pensei: 'Por que não criar um grupo para trocar ideias, conhecimentos e perrengues com essas famílias?'. O número de pedidos de ajuda seguia crescendo e eu já não dava mais conta de atender um a um. O grupo nasceu com cerca de 30 pessoas. Na época, convidei Mariana Casagrande, neuropsicóloga do Filippo, para contribuir com esclarecimentos de forma voluntária. E lá está ela, até hoje, auxiliando não mais 30, mas 600 famílias do Brasil e do exterior.
CRESCER: Como o grupo funciona na prática?
R.C.: O grupo é 100% gratuito e feito a partir da contribuição de especialistas voluntários. A neuropsicopedagoga Mariana Casagrande segue conosco auxiliando com informações gratuitas e com custos acessíveis em sua clínica para consultas detalhadas, laudos e acompanhamentos. Saber que a partir da minha dor com Filippo tantas outras crianças puderam ser laudadas corretamente, identificadas, sentirem-se representadas em seus espaços com acompanhamento necessário é impagável. Além da Mariana, temos hoje a Carol Murgel, especialista em alimentação infantil — porque algumas crianças possuem questões similares ao autismo como seletividade alimentar, por exemplo. Tem ainda a Camila Bueno, especialista em parentalidade, que dá suporte aos pais e crianças com questões relacionadas ao comportamento, sono e contenção de emoções — pois é comum crianças com esse perfil terem crises quando algo não sai como planejado. E além do Crescer Feliz Nacional, que também acabou acolhendo famílias de brasileiros que vivem em países como Estados Unidos, Portugal, Espanha e Inglaterra (veja relatos no fim da entrevista), criamos também o Crescer Feliz São Paulo, atualmente com 200 famílias, que tem uma proposta mais intimista de agendar encontros, promover a interação entre as crianças presencialmente, com troca de livros e jogos, por exemplo.
CRESCER: Quais são as maiores dificuldades e desafios das crianças com superdotação?
R.C.: Durante esse tempo acompanhando o grupo e o Pippo em casa, tenho plena certeza de que os maiores desafios têm relação direta com convívio social e desenvolvimento pedagógico — uma complementa a outra. Sem um bom convívio social e inclusão — seja na escola (o maior desafio de todos) ou na família — é impossível fazer com que eles produzam e se desenvolvam com felicidade. São crianças com uma rigidez cognitiva muito grande, portanto, se não houver o acompanhamento de profissionais, apoiado pela escola e pela família, estão fadados ao estresse e doenças como depressão. São crianças que não aceitam o “plano B” com facilidade, estão sempre à frente de amigos da mesma idade e isso os exclui muitas vezes do convívio, gerando tristeza. Já vi relatos de famílias que ouviram de seus filhos que "preferiam morrer ou nascer diferente" para ser igual a todo mundo. Crianças que fingem não saber a lição para serem incluídas na turma. Lamentável, dolorido e muito difícil. São joias preciosas para o mundo e precisam de amor, acolhimento e inclusão. Alguns ainda apresentam sensibilidade auditiva e se incomodam facilmente com festas de aniversário e outros eventos como shows e musicais, necessitando, muitas vezes, de abafadores.
CRESCER: Como é ser mãe de uma criança superdotada?
R.C.: Tem altos e baixos. Fácil não é porque eles nos desafiam todo o tempo e não se convencem com qualquer resposta. Apenas "não" e "sim", sem explicação, não existe. Eles surtam! Com o Filippo tem sido mais fácil a partir do momento em que fechamos o diagnóstico. Sempre falo para todas as mães que chegam no grupo: “É preciso entender nossos filhos para atendê-los. Por isso, jamais feche os olhos para um possível diagnóstico. Seja o que for, encare! Será a melhor escolha”. Recentemente, ele me questionou sobre o fato de eu e o pai dele termos nos separado. Eu já estava pronta para explicar que quando duas pessoas pensam muito diferente, isso acontece de maneira natural. Exemplifiquei com os grupos de afinidade dele da escola – amigos que ficam mais tempo juntos porque gostam das mesmas coisas – ele compreendeu imediatamente e mudou de assunto. Com eles é assim, tudo precisa ser explicado, exemplificado e, se possível, relacionado a algo do cotidiano deles.
CRESCER: As escolas estão preparadas para receber e acolher essas crianças?
R.C.: No Brasil, a escola tem sido uma das questões mais difíceis para as famílias — mas não culpamos as escolas, mas, sim, a falta de conhecimento na base da pirâmide, na formação de professores, coordenadores e diretores. Hoje, o país tem pouquíssimos cursos de formação nesta área. É triste, mas é real. Não há pós-graduação e sequer esse tema como disciplina na formação de cursos de pedagogia, por exemplo. Se não há formação, dificilmente esse conhecimento vai chegar nas escolas e ajudar nossas crianças. Existe um abismo entre os cenários ideal e real, mas tem uma possível solução que eu acredito muito: buscar uma instituição que tenha humildade para reconhecer que sabe pouco ou nada sobre superdotação, mas que tenha a disponibilidade de aprender e construir um ambiente saudável para a criança. Esse caminho já é um excelente começo e foi o que aconteceu na escola do meu filho. Hoje, três anos depois, Pippo é completamente apaixonado pela escola em que está, tanto que pediu para mudar de casa para morar ao lado, muro com muro, literalmente. Não há um dia que ele não vá feliz. Enquanto isso, infelizmente, cotinuo recebendo relatos diário de muitas famílias de crianças que fingem doença para não ir para a escola por serem humilhadas e excluídas por colegas e até professores. Dói demais e precisamos mudar essa realidade.
Fonte: https://revistacrescer.globo.com/criancas/comportamento/noticia/2023/09/familias-de-criancas-superdotadas-se-reunem-em-busca-de-auxilio-humilhadas-e-excluidas.ghtml