Quando se fala em superdotação – também chamada de altas habilidades, a primeira coisa que vem à cabeça de muitas pessoas é a genialidade. Erroneamente, tal condição é tratada de forma fantasiosa por causa da desinformação.
O que a maioria das pessoas superdotadas e pais de crianças e adolescentes superdotados vivem, na verdade, é a incompreensão – além das dificuldades enfrentadas diariamente pela falta de apoio, dizem as famílias. Grande parte das barreiras está na escola.
“Mães e pais estão sofrendo muito com filhos adoecidos. Estamos tentando mudar essa situação e mudar o conceito que está lá nas políticas públicas. Existem crianças superdotadas que passam por várias escolas. Elas não conseguem se adaptar porque o ambiente escolar não está preparado”, diz a neuropsicopedagoga” Olzeni Ribeiro, doutora em educação de superdotados.
O Censo Escolar de 2022 apontou que há 26.815 alunos identificados com altas habilidades/superdotação no Brasil. No Distrito Federal, são 756 alunos.
O filho da assistente social Aline dos Santos é uma dessas crianças. A mãe conta que chegou a trocar o menino de 8 anos de escola sete vezes. A luta por um ambiente acolhedor para o desenvolvimento do filho a levou a criar um grupo de apoio que, hoje, conta com mais de 300 mães e pais de crianças superdotadas em Brasília.
"O nosso maior sofrimento se chama falta de profissionais capacitados. A gente sofre muito, nossas crianças estão passando a ter problemas de saúde mental por conta da falta de atendimento adequado", diz Aline.
A Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEDF) diz que "tem envidado todos os esforços possíveis para que as crianças e adolescentes que apresentam potencial de comportamento de altas habilidades/superdotação passem pelo processo de avaliação realizado pela equipe especializada e possam ser atendidos o quanto antes". Na capital federal, os alunos superdotados são atendidos nas chamadas "Salas de Recursos".
Estudantes da rede pública têm direito a 70% das vagas; os outros 30% são destinados a estudantes da rede privada. Segundo a secretaria, existe fila para avaliação, mas não para a "Sala de Recursos" (veja mais abaixo o que diz a lei sobre superdotação e escola).
Comportamento 'diferente'
A assistente social Aline dos Santos conta que viveu – e ainda vive – dias difíceis com o filho. "Sempre reclamaram dele, dos comportamentos dele. Com três anos ele já conseguia ler, então não tinha paciência para ficar fazendo aquelas atividades de criança pequena. Ele não queria ficar na sala", diz sobre as escolas.
"As escolas sempre tocaram no negativo, nenhuma chegou pra mim e falou que meu filho podia ter altas habilidades", lembra Aline.
A neuropsicóloga Priscilla Hoffmann, que é também especialista em altas habilidades/superdotação e educação especial, diz que o cenário encontrado nas instituições de ensino, na maioria das vezes, "não é amigável para quem tem a condição".
Ela explica que as crianças superdotadas têm dificuldade para se adaptar, uma vez que, normalmente, elas se desinteressam mais facilmente dos assuntos que já aprenderam antes das outras crianças. "Uma solução seria fazer a aceleração do aluno, avançando o ano em que ele está", pondera.
A aceleração de série é uma prerrogativa assegurada por lei ao estudante com laudo de altas habilidades. Mas este é outro empecilho enfrentado nas escolas.
“A gente vê coordenações que não sabem o que são altas habilidades e professores que nunca ouviram falar nisso. Apesar de ser um direito das crianças, as escolas não estão preparadas para fazer a aceleração, porque não foram capacitadas. Então é difícil fazer uma aceleração quando não se tem conhecimento dessa condição", diz Priscila.
Afinal, o que é a superdotação?
Segundo a neuropsicopedagoga Olzeni Ribeiro, a principal característica da superdotação é a atividade metabólica intensa do cérebro. Ou seja, o processamento de informações se dá de forma muito rápida.
Para se ter uma ideia, Olzeni explica que o organismo metaboliza a glicose mais rápido em pessoas superdotadas para que elas tenham mais energia para fornecer para o cérebro.
"A superdotação é uma condição do neurodesenvolvimento. Tem o fator inteligência envolvido, mas principalmente uma facilidade de aprender. Um dos mitos que a gente tem aqui no Brasil é definir a superdotação pelo QI [Quociente de Inteligência]", explica a neuropsicopedagoga.
Olzeni aponta que um superdotado não necessariamente tem o QI elevado. A superdotação também não é voltada para uma área específica, mas sim para o funcionamento da pessoa. Há características que são comuns, mas não há um padrão de perfil para superdotados.
Algumas características de quem tem superdotação incluem:
- Distúrbios do sono (como sonambulismo e terror noturno);
- Intensidade (tato, sons, cheiros e emoções podem ser sentidos de forma muito mais exacerbada);
- Senso de justiça muito aguçado;
- Necessidade de questionar;
- Autocobrança;
- Perfeccionismo;
- Baixa tolerância à frustração;
- Memória acima da média.
A neuropsicóloga Priscilla Hoffmann explica que existem vários estudos sobre a condição, mas o que hoje é consenso na literatura é a existência de uma ou várias habilidades acima da média.
"É muito mais frequente do que a gente imagina. [...] Esta condição tem um componente genético. A gente até brinca que onde tem um, tem dez. Quando a gente trabalha essa avaliação da criança ou do adolescente, começamos a receber também os pais, que vão se percebendo como pessoas com altas habilidades”, diz Priscilla.
O que diz a legislação sobre educação para superdotados
O conceito de altas habilidades/superdotação só passou a fazer parte da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que regulamenta a educação no país, em 2013. Naquele ano, foi promulgada a lei nº 12.796, que altera a LDB e estabelece "atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino".
Dois anos depois, em 2015, a lei 13.234 foi promulgada para tornar obrigatório identificar, cadastrar e atender estudantes com estas características. No entanto, a reclamação de famílias de crianças e adolescentes com altas habilidades é que, regionalmente, não há o cumprimento da lei, por ela ser muito abrangente. Além disso, a legislação vale apenas para escolas públicas.
"O desafio será ‘especificar’ as leis, separando das que amparam os alunos com deficiência, porque existem dispositivos que só atendem aos alunos superdotados. Esta lacuna tem favorecido a criação de resoluções estaduais que, de certo modo, ferem os direitos deles quando descumprem o que determina a lei nacional", diz a neuropsicopedagoga Olzeni Ribeiro.
Em setembro, o Conselho Brasileiro de Superdotação (ConBraSD) deve se reunir com o Ministério da Educação (MEC) para definir se haverá mudanças na aplicação da lei. "Vai ter uma reunião e a gente vai conversar sobre esse assunto, mas não é uma uma coisa que o MEC já esteja preparado pra conversar. Temos um ministro novo, uma secretária nova. Então a gente ainda tem que dialogar", diz Cristina Delou, presidente do ConBraSD.
"O que interessa é que a LDB tem todos os dispositivos, do ponto de vista pedagógico, para amparar na escola pública os direitos dos alunos que fazem parte do grupo da educação especial", afirma a presidente do ConBraSD.
O que diz o MEC
Ao g1, o MEC informou que "trabalha firmemente para retomar, fortalecer, e ampliar a Política Nacional da Educação Especial". Segundo a pasta, tal política assegura, além do atendimento educacional especializado:
- Inclusão, orientando os sistemas de ensino para garantir acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados do ensino;
- Transversalidade da modalidade de educação especial, desde a educação infantil até a educação superior;
- Formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão;
- Participação da família e da comunidade;
- Acessibilidade arquitetônica, nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e informação;
- Articulação intersetorial na implementação das políticas pública.
"Em relação às pessoas com altas habilidades/superdotação, o MEC torna público o seu compromisso em romper com a invisibilidade histórica, desse público, nas políticas de educação", diz a pasta.
Fonte: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2023/08/19/superdotacao-nao-e-so-inteligencia-entenda-o-que-sao-altas-habilidades-e-quais-as-dificuldades-enfrentadas-por-quem-tem-a-condicao.ghtml