"Muito longe do que ele precisa", diz pai de criança superdotada sobre escolas para o filho - 25/09/2023

Famílias e especialistas afirmam que instituições não estão preparadas para receber esses alunos e enfatizam a necessidade de capacitação

Desde que os filhos Filipe e Lorenzo Barros Lopes tinham apenas um ano e oito meses, a mãe Aline Barros passou a perceber que eles eram "diferentes" de outras crianças na mesma faixa etária. Com essa idade, os meninos já começaram a ler, a se interessar por outros idiomas, como inglês e arábe, e aprendiam tudo com muita facilidade. O que explica isso? Eles são gêmeos superdotados. 

Aline, porém, só descobriu isso anos depois, quando eles entraram na escola. Inicialmente, os professores desconfiaram que os gêmeos tinham Transtorno do Espectro Autista. Mas, ao procurar especialistas, as avaliações revelaram a superdotação dos dois.

Hoje com 7 anos, Filipe e Lorenzo estudam desde janeiro em uma instituição de ensino particular no bairro Ermelino Matarazzo, na cidade de São Paulo. Aline, 40 anos, conta, no entanto, que teve muita dificuldade para encontrar uma escola, porque, segundo ela, a maioria não está preparada para atender os seus filhos superdotados. 

Os gêmeos têm interesses diferentes. Filipe gosta de estudar geografia e astronomia, enquanto Lorenzo é fascinado por ciências. Eles até gostam de ir para a escola e a superdotação poderia ajudá-los na rotina escolar, mas, na prática, não é bem isso que acontece: diariamente, eles dizem que se sentem muito entediados.

"Só tem atividades fáceis, queria fazer tarefas complexas", afirmam ambos para a reportagem do Terra. Por causa disso, os dois sempre recorrem à enfermaria da escola.

"Eles falam que estão com dor de cabeça, dor na barriga, dor no pé. Cada dia eles estão com uma dor diferente. É uma fuga, eles procuram sair daquele ambiente que não está oferecendo nenhum desafio para eles", diz Aline. "Os meninos falaram pra mim que acham que eles aprendem mais coisas assistindo o YouTube do que na escola", acrescenta.

O mesmo acontece com Benjamin Marques, de 6 anos. Superdotado, ele aprendeu sozinho a falar inglês fluentemente e escolheu o idioma como sua primeira língua. "Ele tem até sotaque, o português dele parece de gringo", conta Fagner Marques, pai do garoto e que também foi identificado com altas habilidades, mas só soube disso aos 40 anos. 

A superdotação de Benjamin também só foi descoberta depois que ele entrou na escola, aos 4 anos. Entretanto, desde que passou a frequentar o ambiente escolar, ele sempre afirma que não gosta da escola "porque não aprende nada". Os professores, inclusive, perceberam que ele dormia na sala de aula.

"Ele não encontra sentido nas coisas que ele tem que fazer. Por exemplo, ele passou o semestre inteiro pintando as letrinhas de A a Z, mas ele já sabe o alfabeto desde os dois anos, sabe o inglês", diz Fagner.

Atualmente, Benjamin estuda em uma escola particular de São Paulo.

"A escola que a gente o matriculou tem um programa bilíngue, com uma aula de inglês por dia. Mas a aula não serve para ele também, porque é um nível muito baixo. Pensando em estrutura física, essa escola é um pouco melhor do que a outra em que ele estava. O conteúdo, ligeiramente melhor. Mas muito longe do que ele precisa".

Segundo Fagner, ele e a esposa visitaram outras escolas internacionais, mas os custos eram muito altos para incluir no orçamento familiar.

O que é a superdotação?

O conceito de superdotação ou altas habilidades corresponde a uma condição em que os indivíduos apresentam grande facilidade de aprendizagem, o que os leva a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes, segundo a cartilha Saberes e práticas da inclusão (2006), da Secretaria de Educação Especial, do Ministério da Educação (MEC). Pela definição do psicólogo educacional americano Joseph Renzulli, a superdotação é o entrelaçamento de três características:

  • • Habilidade acima da média em alguma área de conhecimento;
  • • Capacidade de realização criativa; e 
  • • Grande envolvimento na realização das atividades de seu interesse.

Um ponto importante é que o superdotado não é necessariamente aquele aluno que tira nota 10 em todas as disciplinas. Essa característica pode ser encontrada em alguns, mas em outros a superdotação pode se manifestar em apenas uma disciplina, como Matemática, ou dança, ou música ou esporte, por exemplo.

Essa noção equivocada de que um superdotado é aquela "pessoa que já sabe tudo", um "gênio", atrapalha inclusive na identificação e na inclusão desse público. 

"Esse é um mito, simplesmente ele tem uma capacidade de execução cerebral superior. Mas é um indivíduo que não sabe tudo. Ele, na verdade, tem uma capacidade de aprender muito, de assimilar muito rápido", explica Carlos Eduardo Fonseca, o vice-presidente da Mensa Brasil, uma associação que reúne indivíduos com alto quoficiente de inteligência (QI).  

A avaliação para verificação de indicadores de altas habilidades deve ser multidisciplinar, envolvendo psicólogos, neuropsicólogos, psicopedagogos, os pais, a escola e outros profissionais específicos, conforme o potencial de cada indivíduo. Testes psicométricos, para a aferição do QI, também podem ser procedimentos adotados em uma avaliação.

 

Para saber mais: https://www.terra.com.br/noticias/educacao/educar-para-incluir/muito-longe-do-que-ele-precisa-diz-pai-de-crianca-superdotada-sobre-escolas-para-o-filho,a9186681827b5e61c643be4473a74bbebi2li2jj.html